Por força da natureza,
resistir e sobreviver são palavras de ordem. É cientificamente comprovado.
Pesquisadores do mundo inteiro constataram o fato observando desengonçados
que continuam a dançar, desafinados que seguem a cantar e corações
partidos que insistem em amar.
Não existem humilhações suficientes para sufocar a vida que pulsa. Quando algo ferve nas
veias o corpo todo esquenta, não importa a intensidade do frio.
Enquanto folheava as obras completas de Manoel de Barros, um carapanã pousou entre as páginas no exato momento em que fechei o livro. Reabri rapidamente e ele saiu voando, cheio de cores. Pensei tê-lo esmagado, mas estava numa montanha que cura os machucados.
Aconteceu num dia
ensolarado. Era uma montanha alta, onde moravam duas borboletas. Elas deixavam
um rastro de cores por onde voavam, no formato dos desenhos de suas asas.
Tratava-se de uma
montanha encantada. Nela eram curados todos os que foram esmagados por alguma pressão
letal. Tornavam-se coloridos e passavam a pintar o ar. Assim aconteceu com
aquelas borboletas, que me convidaram para um café e me contaram sobre seus
voos.
O caso é que se
apaixonaram, ela e ela. Duas meninas. Passaram a voar juntas.
Vieram, contudo, de um
lugar bárbaro e violento. Uma terra regida
pela crença de que só há um jeito de voar – que não é o delas. Lá, as pessoas dizem que não é
natural lagartas virarem borboletas desse tipo. Revoltadas, submeteram-nas a
todo tipo de humilhação. Pisaram com força em suas asas, esmagando-as, para que
nunca mais voltassem a voar.
Todo esse ódio é movido por
obediência à Borboleta Amor, uma espécie de rei que dá as regras por aquelas
bandas. Irônico alguém carregar em seu nome o pressuposto de amar, mas inviabilizar relações amorosas.
Feridas, as duas foram
banidas. Mas por força da natureza, resistiram e sobreviveram. Afinal, aquilo que
as aquecia continuava pulsando em suas veias. Mesmo com corações partidos,
insistiram em amar. Voaram para a montanha, atraídas pela fome de viver onde
pudessem voar como quisessem.
Resta o mistério de saber se o lugar era mágico mesmo antes de chegarem ou se
foi o amor que carregavam em suas asas que encantou tudo por lá. Seja como for,
passaram a colorir com seus movimentos.
A força da vida que
pulsa por amor. O que não nos mata, nos colore.
Lucas Lujan