Caderno de caligrafia, lápis e borracha. Concentrado, tentava desenhar as letras. Estava na 3ª série e enfrentava o desafio da alfabetização – e o de ter uma letra bonita, que nunca consegui vencer. Minha professora chamou por meu nome e quando levantei a cabeça, vi minha irmã na porta da sala.
A Erica é dona de uma expressão de tristeza inconfundível. Seus olhos ficam marejados e caídos, e com a boca faz o bico mais emburrado da zona sul de São Paulo. Eu até que gostava de provocá-lo às vezes, mas aquele era diferente. Trazia medo e insegurança, e diante desses sentimentos, ela foi procurar alguém de confiança para protegê-la.
Como eu, ela demorou a se adaptar à escola. Deixar nossa casa segura e ir para um lugar com gente desconhecida era mesmo assustador. Eu entendia exatamente como ela se sentia. Lembrava-me de como o primeiro ano na escola tinha sido difícil para mim – só que eu não tinha um irmão mais velho para recorrer.
Fui até a porta e a trouxe para a minha carteira. Puxei uma cadeira para ela sentar ao meu lado e pedi sua ajuda na tarefa que estava fazendo. Ela desfez a cara de choro e relaxou. Acabou se distraindo comigo. Depois de um tempo se sentiu segura para voltar à sua própria sala e atividades. Não lembro a duração daquele tempo, porque quando estamos com quem amamos o tempo se eterniza. Para mim aquela manhã com ela dura até hoje.
Minha irmã é apenas um ano e meio mais nova que eu. Eu não me sentia a pessoa mais forte e preparada da escola para protegê-la. Não me via nessa condição. Acontece que ela me via. Para ela, eu inspirava segurança e proteção. Não por meu tamanho ou idade, mas porque ela sabia que eu a amava e por isso cuidaria dela.
Aprendi uma lição com isso. O que pensamos a nosso respeito não é exatamente o que os outros pensam. Às vezes não nos sentimos aptos para uma tarefa, mas há quem acredite, confie e precise de nós. Não por nosso tamanho, força ou excelência, mas por amor. Tornamo-nos poderosos para quem nos ama e por nós se sente amado.
É o amor, em sua absoluta fragilidade, o maior poder que existe.
Por mais inadequado que se sinta, saiba que há quem acredite, confie e precise de você. Não por sua excelência, tamanho ou força, mas porque você é amado. Não se subestime, você reúne condições para proteger, cuidar e amparar. Se há amor em você, está pronto para oferecer o que as pessoas à sua volta mais precisam.
O amor da minha irmã por mim inspirava coragem para assumir a tarefa de protegê-la. Sua confiança me dava força para ampará-la, mesmo em condições precárias e limitadas. Ela me amava e por isso me sentia poderoso. Eu a amava e por isso enfrentei meu sentimento de insuficiência.
Sigo desconfiando da minha capacidade de cuidar da minha irmã. Ainda não me sinto forte e preparado o suficiente. Mas sei que na próxima vez que os olhos marejados e caídos da Erica me olharem, estarei pronto para desfazer seu bico.
Meu querido primo....
ResponderExcluirSou também irmão mais velho e sei como é esse amor, carinho e cuidado especial. Que lindo esse amor, meu caro!!! Realmente é o poder maior que existe. Digo que sou um poligâmico. Tenho três mulheres em minha vida, assim como deve ser contigo, minha mãe, irmã e filha. Valeu por mais um texto. Abraços primo.
:)
ExcluirAbraço, primo!