quarta-feira, 2 de abril de 2014

Lembrete



Foi deitar depois de ter feito algo que prometeu nunca mais fazer. Uma sensação de decepção o angustiava. A cobrança por comportamentos indesejados, já vividos em outros momentos, torturava contando mais uma vez a história que se repetiu. E mais uma, depois mais outra, e então de novo.

Querendo lembrar para sempre o tamanho de sua frustração, a fim de registrá-la perpetuamente na memória, permitiu que a dor consumisse de vez. Talvez as marcas do sofrimento em seu corpo servissem de lembrete para a próxima ocasião.

Questionava-se por sua memória fraca. Culpava-se por ela. Não sabia se reincidência era uma marca universal da humanidade ou uma fraqueza particular. Diante de tantos sentimentos confusos, questionava sua própria capacidade de raciocinar.

Apressou-se em encontrar lápis, borracha e papel, e começou a elencar suas experiências. Mergulhou em histórias que revelavam um lado de si que detestava. A partir dessas vivências esperava tirar lições para não se tornar definitivamente sua pior versão. 

Uma lista de pequenos lembretes. Desejava que fosse impressa em seu coração para ser consultada diante de toda situação difícil. Assim, antes de tomar uma decisão, estaria resguardado de ser o pior de si mesmo.

Começou anotando que pontos de vista dependem do chão onde os pés pisam. Enquanto uns veem a alvorada, outros veem o crepúsculo. Então, quando visse o Sol chegar, não deveria ignorar o ponto de vista de quem o está vendo partir.

Anotou que não deve rejeitar as pessoas por não corresponderem às suas expectativas. Quando Jesus perdoou Pedro, ensinou a não culpar ninguém por ser menos que perfeito.  Toda relação com pessoas não perfeitas é imperfeita, por isso a importância de novas chances sob a reconciliação.

Continuou lembrando que o importante não é vencer a batalha. Perder é inevitável, resta aprender com a derrota. Mais importante é reunir coragem para lutar, porque não há vida sem batalhas. A coragem vale mais que a vitória.

Remoendo suas injustiças, escreveu que justo é quem escolhe praticar com o outro aquilo que deseja para si. E que a justiça que não deriva do amor é vingança.

Os ciclos da vida se renovam, rabiscou. A vida não é uma engrenagem viciada que gira sempre em torno do mesmo eixo. O choro pode durar uma noite inteira, mas a alegria vem pela manhã. Toda nuvem nebulosa se dissipa e é questão de tempo para o Sol voltar a brilhar. Até que novas nuvens apareçam, escondam o Sol e o ciclo se renove.  

Ninguém sofre sempre, nem tampouco sempre se alegra. Não acredite que só há tristeza ou só há felicidade, sublinhou. A vida é tecida entre lágrimas e sorrisos. Por isso, vive bem aquele que sabe acolher a felicidade e a dor. Em outras palavras, feliz é quem sabe sorrir quando se alegrar é preciso, e chorar quando é necessário sofrer.

Ficar triste é motivo de pelo menos uma alegria: a de não ter se tornado insensível. A tristeza revela que ainda existem coisas e pessoas importantes, capazes de fazer sofrer. É melhor a tristeza que a insensibilidade. É melhor sentir dor que não sentir nada.

Finalmente, sua última anotação antes de se entregar à Morpheu. No caso de todos os outros lembretes serem esquecidos ou ignorados, esse estaria sempre presente como cláusula pétrea, pois poderia recuperar sua vida:

"Porque sou errante, perdoo. Porque sou imperfeito, não espero perfeição. Porque sou falho dou segundas, terceiras e quartas chances. Porque sou fraco, me identifico com quem chora. Porque repito erros que jurei nunca mais cometer, não culpo os reincidentes. Porque sou humano, não espero que meus semelhantes sejam deuses.".


Lucas Lujan

6 comentários:

  1. Acreditar que a vida segue e algo em nós sempre muda é deveras necessário. Texto inspirador! Anotado!

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    1. :)

      Obrigado! Que bom que gostou.

      A vida sempre segue, de um jeito ou de outro. Então, que seja do melhor.

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  2. Acho que acaba sendo "óbvio" carregar na bagagem algumas tristezas... Um lembrete de que de fato, não somos feitos só de coisas boas... E é exatamente isso que nos humaniza
    "(...) Por isso, vive bem aquele que sabe acolher a felicidade e a dor ..." - Inspirador e genial!!!!!!

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  3. Oi, Luciana!

    O que nos torna humanos é o fato de nascermos inacabdos. No processo de nos construir, as tristezas são inevitáveis.

    Beijo

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  4. Fala querido Lucas,

    Creio que expor, quando necessário, nossas fraquezas, ser honestos conosco e sentir a dor do erro sem se torturar, é o caminho para a cura e forças no enfrentamento das batalhas da vida.
    Obrigado pelo texto e pela coragem.
    Abraços.

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