Sempre fui fanático por futebol.
Enlouquecido. A paixão me tornou um bom jogador, destaque com a bola nos pés. Mas
a paixão tem seus efeitos colaterais e ao mesmo tempo me tornou um descontrolado.
Tudo o que via no chão era bola e tudo o que estava diante do meu nariz, gol.
Tinha dez ou onze anos. Apesar
dos repetidos avisos de minha mãe, insistia em bater bola dentro de casa. O
risco de quebrar alguma coisa aumentava a tensão e eu encarava aquilo como
desafio. Afinava minha habilidade e controle da bola.
Aconteceu o óbvio, um dia quebrei
a janela da sala. Um vidro enorme e espesso, que vi estilhaçar antes de entrar
em pânico. Tantos alertas ignorados resultaram em cacos. Com a ajuda de um
amigo consertei o estrago. Comprei uma nova janela e reconstruí a
sala. Claro, antes levei a maior bronca do mundo e tentei assimilar a lição.
Não consegui.
Anos mais tarde, voltei a bater
bola dentro de lugares perigosos, cercados por vidros. Aquela tensão que me
obrigava a melhorar minhas habilidades e o desafio que apurava meu
controle eram sedutores. Eu gostava de jogar.
Fui longe demais, contudo. Obcecado por ser cada vez melhor, entrei numa igreja coberta por vitrais. Eram
enormes. Metros e mais metros de vidros lindos, coloridos e cuidadosamente
pintados. Quem construiu aquele lugar estava mesmo disposto a homenagear a
beleza. Verdadeiramente um espaço sagrado, daqueles que nos fazem silenciar
para contemplar o divino enquanto o cheiro do incenso perfuma os pulmões.
Com a bola nos pés, procurava
chutar nas colunas que sustentavam o teto da igreja, pequenos espaços entre os
vitais. Consegui muitas vezes, demonstrando muita técnica. Mas descontrolado,
não soube a hora de parar.
Meu bom senso me alertou muitas
vezes. Era como a voz da minha mãe brigando comigo por jogar bola dentro de
casa, que sempre ignorava. E de tanto ser ignorada, uma hora minha consciência
calou.
Com
um chute forte e preciso, acertei o maior vitral da igreja, que ficava no
altar. Centenas de quilos de vidro estilhados diante de mim. Transformei o
sagrado em cacos.
Repetiu-se a experiência que
tive na infância. Mesmos sentimentos, mesmos medos, mesmos arrependimentos, mesmas
dores. Só que desta vez não era possível comprar outro vidro para reparar o estrago. Não existia outro vitral como aquele e sua singularidade se perdeu
para sempre.
Ainda tenho pesadelos com este
dia. Sonho que o vitral do altar me olha suplicando mais cuidado, enquanto os
outros gargalham de mim. Depois do fatídico chute, saio tentando recolher os
cacos mas acabo me cortando inteiro.
Nem tudo pode ser reconstruído. Alguns pedaços
voam para muito longe, outros ficam desgastados demais. Há ainda aqueles que
simplesmente desaparecem. Portanto, cuidado com o que está prestes a destruir.
Lucas Lujan