A cena não era bonita. O clima era frio; o ar, de tão pesado, parecia sólido. A gravidade da tristeza afetava o mais distraído. O desespero invadia os corpos, gelando primeiro as canelas, depois o abdômen, até finalmente congelar o coração.
O fim anunciado pelo choro copioso e aflito diante da
cidade que abrigava seus irmãos e irmãs, que insistiam em fechar os ouvidos e
os olhos para a mensagem da paz.
Um amigo de caminhada, daqueles que se conta nos
dedos, a quem se vulnerabiliza e se expõe, vende parceria e fidelidade por
ganância barata. Vende o que não tem preço.
No jantar entre amigos, a agonia advinda da certeza
de morte por traição. Vínculos de anos colocados sob suspeita. Há traidores na
mesa. Depois de tantas palavras e cumplicidade, a intuição de que não
sustentarão em público a amizade subversiva.
Sob intensa fraqueza, agonia, aflição e terror, um
fenômeno raro: as veias se rompem e o sangue se mistura com o suor. Toda a
grandeza de um homem justo tornada em humilhação física e moral, vertendo
sangue pelos poros.
No ápice do horror humano, um beijo cela a traição.
Duramente armados, soldados prendem um sujeito
indefeso e inofensivo, mas que expõe o lado tenebroso de quem precisa se valer
da violência para manter o controle. Truculentos, levam sem nenhuma resistência
o homem que falou de amor.
Os amigos o rejeitam. Os que deveriam lutar por sua
vida se acovardam. Amedrontados, fogem e se escondem. Mantém distância daquele
que sempre procurou proximidade.
Escarnecido, ultrajado, escarrado e espancado. Preso
por homens tementes a Deus, é torturado em nome da verdade e da fé. A
religiosidade envenena os minutos infindáveis de açoitamento.
Entregue aos que zelavam por justiça, Jesus foi
crucificado. A crucificação era comum aos criminosos mais desprezíveis e
perigosos. O método era proposital: produzir a morte mais lenta e dolorosa
possível.
A horrível cena de ausência, traição, absurdo e morte
deu sua palavra.
Mas não foi a palavra final.
Inexplicavelmente, a cena ficou linda. O clima era
leve e o ar parecia perfumado. A grandeza da alegria alcançava o mais distante.
A esperança invadia os corpos, desordenadamente, até finalmente aquecer o
coração.
O choro lamentoso cedeu lugar ao choro alegre do
reencontro. Os olhos e os ouvidos foram abertos, e a mensagem da paz foi
finalmente entendida e acolhida.
A amizade foi restaurada pelo amor, que não
contabiliza débitos nem créditos, mas se move pela gratuidade do bem querer e
do cuidado. Nada a ser cobrado, nenhuma dívida a ser paga. O afeto não precisa
de salário.
A traição superada pela oportunidade de, a partir do
presente, contar uma nova história sobre o passado. A história de que somos
verdadeiramente amados apesar do que fomos ou fizemos.
A vida que se impõe pelo amor dispensa a culpa, a
vergonha e a acusação. Tudo ficará bem, pois está consumado. O que passou
morreu e assim, só assim, o novo poderá nascer.
O beijo deixa de ser o sinal da morte e, na boca
daquelas que foram ao túmulo, ganham significado da vida imortal, porque ama –
e o amor abriga a eternidade.
Aquele que foi desprezado, humilhado, espancado,
torturado e assassinado voltou à vida. Não é do ódio a sentença final, mas do
amor. Não é da injustiça a última palavra, mas da justiça.
A bela cena de presença, fidelidade, sentido e vida.
A vida deu a última palavra.
A ressurreição de Jesus conta uma nova história sobre
tudo o que se conhece. Abuso, vício e infidelidade superados pela vida.
Fantasmas do passado que devem ser entregues a morte, para que o novo venha.
Jesus vence a tragédia pois tem uma versão melhor da
história para contar, uma que não acaba em morte. Por causa da ressurreição, há
esperança de que uma nova história foi contada sobre nós, e ela termina em
vida.
É como no poema de Carlos Drummond de Andrade, “A
flor e a náusea”. Uma flor, no cenário mais improvável, vence o tédio, o nojo e
o ódio, e nasce. Ela irrompe no asfalto, denunciando as rachaduras do sistema,
que já não consegue impedi-la de brotar.
Jesus é a flor que nasce no improvável. Seu convite é
que aprendamos a extrair uma esperança mínima, pela fé, para seguir em frente.
É o convite para que apostemos, a despeito do
absurdo, que flores podem nascer no asfalto. Esse é o sinal de esperança que a
cruz de Jesus aponta: o ressurgir da vida no cenário mais improvável. É uma
confiança última na presença interativa de Deus em nossa história.
Ele está aqui, fazendo as flores nascer.
Lucas Lujan
Lucas Lujan
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