Uma alegria
agitada. Inquieta e com o rabo abanando, enfia o focinho no vidro e assiste o
mundo passar diante dos seus olhos, do lado de fora do carro. São assim os
passeios de carro da Chérie, a cadelinha shi-tzu da minha irmã e do meu
cunhado.
Sentada no
colo do passageiro, contempla o desconhecido e misterioso universo que existe
fora de seu abrigo aquecido e protegido. Os cachorros que vê na rua são
diferentes dela. Alguns bem diferentes. Fortes, grandes, com patas longas e
focinhos compridos. Outros têm orelhas largas e caídas, rabos cortados ou bolinhas
pretas no corpo.
Ela se encanta
com a diversidade das raças. Percebe que existem outros jeitos de ser cachorro
e outros mundos possíveis para viver. Comparando-se, às vezes gostaria de ser
um pouco maior ou menos peluda. Gostaria de morar numa casa grande ao invés de
um apartamento. Percebe que talvez nem sua raça nem seu mundo sejam os melhores
que existem.
Sei disso porque
ela me conta sobre essas experiências. Claro, nem sempre. Afinal, não é toda
hora que um cachorro fala. Só acontece quando deixa o constrangimento de lado
depois de um ou dois biscoitos afogados em Amarula que dou para ela. Ou talvez
depois de dois ou três drinks que preparo para mim mesmo com a bebida. Seja
como for, não acontece sempre.
Sua reclamação
mais constante, contudo, é a coleira que é obrigada a usar. Toda vez que a
porta do carro abre anunciando várias novas experiências e possibilidades, tudo
o que ela consegue fazer é dar cinco passos e meio até que a coleira trave a
sua aventura. Ela se vê obrigada a permanecer dentro de um limite previamente
estabelecido por seus donos.
Uma vez perdi
um cachorro. Um cocker preto chamado Simba. Fugiu pelo portão e desapareceu. Perdeu-se
no mundo lá fora, porque não conhecia absolutamente nada sobre ele. Até
encontrar o caminho de volta para casa, teve que viver a vida como ela é. Sem
coleiras, sem limites. Sofreu e se machucou. Mas quando voltou, estava mais cocker
do que nunca. A liberdade tinha feito com que encontrasse consigo mesmo e
entendesse seu papel no mundo. Nunca mais usei uma coleira nele.
Geralmente
donos não deixam seus cachorros sem coleiras, pois querem evitar a experiência
que o Simba teve. E eu entendo. Ninguém quer ver seu cachorro sofrendo e
ferido. Por isso se comportam como donos e estabelecem um perímetro seguro para
seus cães.
Fiquei
pensando na conversa com a Chérie. Em quantas pessoas assistem a vida passar
diante dos seus olhos, e com o focinho colado no vidro desejam uma experiência
de vida que ultrapasse o limite do abrigo aquecido e protegido, mas acabam
travadas por códigos morais e valores religiosos que impedem que encontrem
consigo mesmas e entendam seu papel no mundo.
Como coleiras,
doutrinas e dogmas encurtam o espaço da liberdade humana. Mas ao contrário dos
cachorros, seres humanos não têm dono. Mulheres e homens nascem para a
liberdade.
Lucas Lujan
Excelente reflexão!!! Explorar o mundo além do nosso canto protegido e confortável requer muita coragem!
ResponderExcluirObrigado, Lu!
ResponderExcluirÉ verdade, é preciso mesmo muita coragem. Mas sabemos que a covardia nunca traz felicidade, não é mesmo? Ser corajoso para ser feliz.
Acordar, tomar um café e ler esse novo texto: nada mais inspirador e encorajador para o meu dia!
ResponderExcluir:)
ExcluirQue bom que gostou! Fico feliz.