quarta-feira, 30 de julho de 2014

O mundo lá fora


Uma alegria agitada. Inquieta e com o rabo abanando, enfia o focinho no vidro e assiste o mundo passar diante dos seus olhos, do lado de fora do carro. São assim os passeios de carro da Chérie, a cadelinha shi-tzu da minha irmã e do meu cunhado.
                                                                                
Sentada no colo do passageiro, contempla o desconhecido e misterioso universo que existe fora de seu abrigo aquecido e protegido. Os cachorros que vê na rua são diferentes dela. Alguns bem diferentes. Fortes, grandes, com patas longas e focinhos compridos. Outros têm orelhas largas e caídas, rabos cortados ou bolinhas pretas no corpo.

Ela se encanta com a diversidade das raças. Percebe que existem outros jeitos de ser cachorro e outros mundos possíveis para viver. Comparando-se, às vezes gostaria de ser um pouco maior ou menos peluda. Gostaria de morar numa casa grande ao invés de um apartamento. Percebe que talvez nem sua raça nem seu mundo sejam os melhores que existem.

Sei disso porque ela me conta sobre essas experiências. Claro, nem sempre. Afinal, não é toda hora que um cachorro fala. Só acontece quando deixa o constrangimento de lado depois de um ou dois biscoitos afogados em Amarula que dou para ela. Ou talvez depois de dois ou três drinks que preparo para mim mesmo com a bebida. Seja como for, não acontece sempre.

Sua reclamação mais constante, contudo, é a coleira que é obrigada a usar. Toda vez que a porta do carro abre anunciando várias novas experiências e possibilidades, tudo o que ela consegue fazer é dar cinco passos e meio até que a coleira trave a sua aventura. Ela se vê obrigada a permanecer dentro de um limite previamente estabelecido por seus donos.

Uma vez perdi um cachorro. Um cocker preto chamado Simba. Fugiu pelo portão e desapareceu. Perdeu-se no mundo lá fora, porque não conhecia absolutamente nada sobre ele. Até encontrar o caminho de volta para casa, teve que viver a vida como ela é. Sem coleiras, sem limites. Sofreu e se machucou. Mas quando voltou, estava mais cocker do que nunca. A liberdade tinha feito com que encontrasse consigo mesmo e entendesse seu papel no mundo. Nunca mais usei uma coleira nele.

Geralmente donos não deixam seus cachorros sem coleiras, pois querem evitar a experiência que o Simba teve. E eu entendo. Ninguém quer ver seu cachorro sofrendo e ferido. Por isso se comportam como donos e estabelecem um perímetro seguro para seus cães.

Fiquei pensando na conversa com a Chérie. Em quantas pessoas assistem a vida passar diante dos seus olhos, e com o focinho colado no vidro desejam uma experiência de vida que ultrapasse o limite do abrigo aquecido e protegido, mas acabam travadas por códigos morais e valores religiosos que impedem que encontrem consigo mesmas e entendam seu papel no mundo.

Como coleiras, doutrinas e dogmas encurtam o espaço da liberdade humana. Mas ao contrário dos cachorros, seres humanos não têm dono. Mulheres e homens nascem para a liberdade. 


Lucas Lujan

4 comentários:

  1. Excelente reflexão!!! Explorar o mundo além do nosso canto protegido e confortável requer muita coragem!

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  2. Obrigado, Lu!

    É verdade, é preciso mesmo muita coragem. Mas sabemos que a covardia nunca traz felicidade, não é mesmo? Ser corajoso para ser feliz.

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  3. Acordar, tomar um café e ler esse novo texto: nada mais inspirador e encorajador para o meu dia!

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