Gosto
de baunilha, com castanhas e calda de chocolate, toda contornada com chantilly.
Meus olhos brilharam quando o garçom me serviu. Desacostumado, nem agradeci. Na
primeira colherada do sorvete, provei um mundo inédito. Era a melhor sobremesa
que eu havia comido em toda a minha vida.
Nasci
numa família simples, de classe baixa. Apesar
de não nos faltar coisas básicas, não sobravam muitas. Nenhum luxo. Nunca
saíamos pra comer, esse era um privilégio distante da nossa renda.
Estudava
numa escola pública e a maior parte dos meus amigos advinham da mesma classe
social que eu. Às vezes advinham de uma mais baixa, e, poucas vezes, de uma classe mais alta – era
o caso do Renato. Ele andava de Bulova e tênis da Nike.
O
pai do Renato, Anísio, tinha um Tempra e um Pálio. Tinha também uma casa grande
com piscina e uma geladeira lotada de besteiras - dentro dela vi, pela primeira
vez numa casa, uma Coca-Cola em lata. Nem sabia que isso era possível, pensava
que era exclusividade das lanchonetes.
Certo
dia, depois da aula, o Anísio nos levou para comer no Habib’s. Era hora do
almoço e ele decidiu fazer uma surpresa. Eu nunca tinha ido ao Habib’s,
tampouco andado num Tempra. Foi uma verdadeira aventura. Fiquei impressionado
com o carro, que virou o meu predileto na mesma hora.
Sentamos
à mesa e o Anísio nos mandou pedir o que quiséssemos. Era como se eu estivesse
num filme. Pedir o que eu quiser? Era um tipo de direito novo pra mim. Nem me
lembro o que almocei, deve ter sido esfihas.
Lembro-me,
mesmo, da sobremesa: torta crocante.
Gosto
de baunilha, com castanhas e calda de chocolate, toda contornada com chantilly.
Meus olhos brilharam quando o garçom me serviu. Era a melhor sobremesa que eu
havia comida em toda a vida.
Não
era apenas uma sobremesa que estava diante de mim, mas a descoberta de um mundo
onde as pessoas comiam em restaurantes e podiam pedir o que quisessem. Era uma
exclusividade que estava se estendendo a mim, por meio da generosidade de
alguém que tinha dinheiro.
Para
quem tem pouco, a sobremesa do restaurante mais popular é luxo. A torta
crocante do Habib’s ainda é a minha sobremesa favorita, e vez ou outra passo lá
para me deliciar com ela. Mas, hoje, ela tem mais sabor pelas boas lembranças
que desperta.
O
valor das coisas está para além do dinheiro que custam. O preço é só uma forma
de baratear as experiências profundas da vida. Quem compra algo caro em busca
de suprir os vazios da alma, não conhece a riqueza de sentar-se à mesa do Habib’s
com um menino sem grana e dividir seus privilégios com ele.
Lucas Lujan